Jornal Maio

A Nexperia e o pacote laboral de Montenegro

Todos se recordarão da crise dos chips, no pós-Covid. Uma situação que se deveu a uma quebra das cadeias de produção construídas numa lógica de just in time – que procura reduzir ao máximo o armazenamento de mercadorias – e de deslocalização da produção de componentes para países onde a mão-de-obra é mais barata. Agora chegou a crise da Nexperia, que ameaça parar a Autoeuropa e o conjunto da indústria automóvel na Europa.


A Nexperia e a crise da ordem mundial

Se não estiver para breve uma solução política, as cadeias de produção do setor automóvel de praticamente toda a Europa irão parar. Tudo se deve a que a Nexperia paralisou recentemente a sua produção por falta de envio de componentes da China. E porquê?

A Nexperia é uma empresa fornecedora de componentes eletrónicos que tem uma forte presença no setor automóvel europeu. Detém uma quota de mercado de 40%. Esta empresa foi adquirida por um grupo chinês, de nome WingTech, em 2019. A WingTech foi introduzida na lista de empresas com restrições de exportação para os EUA em 2024, no âmbito da guerra comercial existente entre este país e principalmente a China. Recentemente, a lei dos EUA obrigou a que empresas com uma participação de 50% ou mais de entidades presentes na lista de restrições de Trump passem também a ser alvo dessas mesmas restrições. 

Diante dessa realidade, o Governo dos Países Baixos, país onde se encontra a sede da Nexperia, procurou assumir a propriedade da empresa para poder manter a produção. Em retaliação, a WingTech parou de enviar componentes da China, necessários à laboração das fábricas da Nexperia na Europa, o que implica que estaremos diante de uma paralisação iminente de todo o setor automóvel no velho continente. 


A crise da Nexperia ameaça parar a Autoeuropa e o conjunto da indústria automóvel na Europa.

Tudo isto é reflexo de um mundo em guerra, por vezes de forma mais escondida, noutras de forma escancarada. As grandes potências mundiais, principalmente os EUA e a China, disputam entre si uma saída para um contexto económico de crise e para que sejam os trabalhadores a pagá-la. É isto que significa a procura de novos mercados como o carro elétrico e a “energia verde”. É isto que levou à crise dos chips no pós-Covid, que leva às taxas de Trump e agora a esta nova crise da Nexperia.

 

A crise lá de fora cá dentro

Portugal não é uma ilha em todo este contexto. Também no país se sente a necessidade de as grandes empresas procurarem recuperar os lucros a partir da exploração de quem trabalha. O atual pacote laboral da ministra Palma Ramalho e do primeiro-ministro Montenegro está ao serviço disso. Nele encontramos uma redução significativa das condições de trabalho. Um ataque à contratação coletiva, a facilidade dos despedimentos, o aumento real do horário de trabalho através dos bancos de horas, um ataque à proteção da parentalidade, o incentivo à subcontratação e à precariedade.

Mas acima de tudo encontramos um ataque nunca visto à organização sindical dos trabalhadores no local de trabalho e à greve. Já durante os governos da geringonça, assistimos a tentativas de impor obstáculos à luta dos trabalhadores, com limitações ao direito à greve, por via da requisição civil. Vimo-la ser utilizada sobre os motoristas de pesados e matérias perigosas, os estivadores, ou os enfermeiros.

Agora, o Governo Montenegro pretende ir mais longe e criar ainda mais entraves a que os trabalhadores se organizem, em particular os mais precários. Dificultando ou mesmo permitindo que as empresas impeçam a atividade sindical quando os sindicatos não tenham sócios oficialmente conhecidos pelas mesmas, o que acontece com grande parte dos trabalhadores sem vínculo permanente. Retiram o direito a lutar àqueles que mais precisam de melhorar as suas condições de trabalho.

 

Greve geral? Ontem já era tarde

Diante destes ataques, qualquer negociação significa um retrocesso nos nossos direitos. Pelo contrário, é urgente iniciar a construção de uma greve geral. As centrais sindicais, os sindicatos, as comissões de trabalhadores, todos os representantes dos trabalhadores devem envolver-se nesta necessária empreitada. Ao trabalho!

 

Nota da Redação: Entretanto, hoje mesmo (29 de outubro) a Bosch, de Braga, anunciou que irá pôr 2500 trabalhadores em lay-off a partir do início de novembro, “devido à escassez de componentes para peças eletrónicas. A situação poderá prolongar-se até abril de 2026”.

João Reis

João Reis

Dirigente do STASA e membro da CT da VW AutoEuropa