Jornal Maio

Os Portugueses serão os últimos a rir da piada?

Quem ri por último ri melhor! É assim que vejo alguns professores no Brasil comemorando a condenação do comediante Léo Lins a oito anos de prisão. Um riso vingativo de quem o odiava e agora está satisfeito. 

Mas, quem ri por último... será que não entendeu a piada? Também pode ser. A pessoa não riu, mas é levada a rir em função das risadas em seu entorno. Ao menos ela entendeu que se tratava de uma piada. Não foi o caso da juíza que condenou o comediante.

Tudo partiu de uma lei que passou a equiparar “injúria racial” ao “crime de racismo”. Na injúria se incluiu a piada. Do racismo se estendeu para transfobia. Logo se criou, por analogia, uma jurisprudência cada vez mais abrangente para o humor.

O comediante foi acusado de ofender mais de 30 minorias. Mas foram elas, que estavam no show, que o processaram? Ou algum representante autoproclamado agiu em seu nome, vendo um vídeo no youtube?

O detalhe é que a lei aprovada considera que a injúria, o xingamento, a ofensa acompanhada de ameaça e até agressão física é menos grave do que uma piada numa comédia. O humor é, nesse caso, considerado um “agravante criminal”:

“Art. 20-A. Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação.”

Caberia acrescentar, como observou Ricardo Araújo Pereira, que o público que pagou para ver o espetáculo do humorista não seria apenas seu cúmplice. Seria o próprio mandante do crime. 

Em sua defesa, o acusado fez questão de separar o cidadão Leonardo de Lima Borges Lins do comediante Leo Lins, uma “persona cômica” que interpreta no palco, que usa figuras de linguagem – hipérbole, metáfora, ironia – e que uma análise literal desse conteúdo seria despropositada. 

Se professores universitários de história, literatura e arte condenam o comediante nas redes, é porque se recusam a realizar a tarefa de interpretação de texto em seu contexto. Se esta é sua obrigação de ofício e a cumprem, é porque têm medo de serem eles os próximos acusados.

E como foi possível que as universidades se tornassem locais hostis ao humor? O filósofo Ben Burgis analisou o fenômeno em seu livro “Cancelando comediantes enquanto o mundo arde”, demonstrando a frustração da esquerda liberal diante de sua impotência. Esse tipo de ativismo juvenil não só é ineficaz, mas contraproducente e autodestrutivo.3

Burgis relaciona a “cultura do cancelamento” nas universidades com o avanço do populismo de extrema-direita. Pois diante da degradação das suas condições de vida, e da gritaria de uma esquerda infantil e despropositada, a classe trabalhadora canaliza sua raiva para eleger Trump. 

Em Portugal, estreou este ano na RTP a série Ruído, do humorista Bruno Nogueira, que aborda um futuro distópico onde o humor é um crime. No Brasil, essa piada já não tem graça, pois o exagero do comediante foi ultrapassado por uma realidade absurda. Quem ri por último é porque ainda pode!

 


¹LEI Nº 14.532, DE 11 DE JANEIRO DE 2023. Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14532.htm
²PEREIRA, Ricardo Araújo. Condenação de humorista por piada nos aproxima dos tribunais nazistas. Folha de São Paulo, 07/06/2025 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ricardo-araujo-pereira/2025/06/condenacao-de-humorista-por-piada-nos-aproxima-dos-tribunais-nazistas.shtml
³BURGIS, Ben. Cancelling comedians while the world burns: a critique of the contemporary left. Zero Books: Washington/Winchester, 2021, p. 5.
Rafael Rosa Hagemeyer

Rafael Rosa Hagemeyer

Músico e professor de História na Uni. E. Santa Catarina