Jornal Maio

Das greves à organização operária

A tradição das greves, já desenvolvida entre os artesãos, foi retomada e reformulada pelo proletariado moderno, até ser transformada em meio de luta capaz de abalar toda a sociedade.

As primeiras lutas operárias trouxeram consigo os primórdios da organização. A passagem do artesanato para a condição operária não criava uma situação absolutamente nova. A organização de uniões operárias (trade unions) era uma velha tendência, presente desde 1720 na Inglaterra, com a União dos Entalhadores de Londres, destinada a obter aumentos salariais através de petições ao Parlamento. As primeiras associações permanentes de assalariados precederam em meio século o sistema manufatureiro e localizaram-se em ofícios onde o trabalho manual-artesanal predominava. O fator determinante não é a transformação técnica, mas o divórcio entre o trabalho e a propriedade dos meios de produção. Onde esse divórcio se consuma nasce o sindicato. Foi mais para defender uma situação privilegiada do que para melhorar uma má situação que se formaram os primeiros sindicatos. Com o aguçamento da luta contra os patrões, a forma e o conteúdo dos sindicatos alteraram-se.

Em 1724, os operários chapeleiros de Paris declararam greve por causa da redução dos seus salários. Criaram, para financiar essa ação, uma “caixa de greve”. A tradição das greves, já desenvolvida entre os artesãos, foi retomada e reformulada pelo proletariado moderno, até ser transformada em meio de luta capaz de abalar toda a sociedade. Entre 1753 e 1757 produziram-se greves espontâneas em diversas regiões de Inglaterra: pedreiros e carpinteiros em Manchester, marceneiros noutras cidades. Em 1765, 100 mil marinheiros e operários do carvão declararam greve em Londres. Durante o período mais radical da Revolução Francesa floresceram as greves. As revoltas precederam a organização dos sindicatos, que demoraram a aparecer e estabilizar-se como representação unificada da classe operária. Na Inglaterra, em 1721, foi proibida a organização dos alfaiates; e em 1726, a dos marceneiros. Em França, em 1791, a lei proposta pelo deputado Le Chapelier havia proibido as organizações operárias. No seu texto, afirmava-se, com base na ilusão liberal, mas também com um sentido de classe aguçado: “Já não há classes de corporação no Estado. Não existe mais do que o interesse particular de cada indivíduo e o interesse geral. Pertence aos convénios livres, de indivíduo para indivíduo, fixar o jornal para cada operário. É incumbência do operário manter o acordo feito com o empregador.” Os temíveis (mas burgueses) jacobinos permaneceram calados. O projeto de lei de Le Chapelier foi adotado por unanimidade pela Assembleia Nacional francesa. 

A tradição e o programa igualitário da Revolução Francesa foram transmitidos diretamente ao nascente movimento operário por um sobrevivente da Conspiração dos Iguais, Felipe Buonarroti, descendente do escultor italiano Michelangelo Buonarroti, que escreveu a História da Conspiração dos Iguais: o livro de Buonarroti era muito conhecido entre os operários. Pertencia à literatura popular junto com os discursos de Robespierre e os artigos de Marat. Na Inglaterra, os primórdios do movimento político operário vincularam-se ao movimento democrático radical, por direitos políticos iguais para todos. Foram surgindo novas direções políticas, inicialmente originadas nas classes abastadas. Filho de um rico comerciante, John Wilkes (1725-1797) começou a sua carreira política atacando, a partir do seu jornal, o North Briton, o rei Jorge III, transformando-se no paladino das liberdades civis fundamentais. Tornou-se líder popular em Londres, com grande apoio para o seu movimento de reforma democrática. Foi perseguido e detido diversas vezes. A 10 de maio de 1768, uma multidão de operários londrinos reuniu-se numa manifestação para exigir a sua liberdade. 

 

Os membros dos comités operários reuniam-se nas tabernas, onde deveriam comparecer armados e disfarçados.

 

 A repressão da manifestação provocou seis mortos e muitos feridos. Houve uma comoção social em Londres e nos condados vizinhos: estivadores, trabalhadores portuários, marceneiros e alfaiates declararam greve. Wilkes organizou a sua campanha eleitoral de 1774 a partir de um programa que defendia um sufrágio mais equitativo e a defesa dos direitos populares na Inglaterra, na Irlanda e na América. O movimento político radical que dirigia obteve a eleição, pese o reduzido número de eleitores (devido ao voto censitário), de doze membros no parlamento. A influência política de Wilkes durou até 1780, mas a luta por reformas continuou: a maior parte dos candidatos a políticos ingleses apresentava-se como reformadora. John Cartwright (1740-1824) publicou em 1776 a brochura Take Your Choice (Escolha!) que esboçava o programa que inspirou o movimento popular durante os 75 anos seguintes, insistindo na reforma eleitoral e no parlamento anual. A agitação operária nas cidades inglesas e britânicas percorreu todo o século XVIII. As greves não se esgotaram em si mesmas: entre 1763 e 1768 diversas categorias unificaram-se para levar petições ao rei Jorge III. Por outro lado, ganhou corpo a ideia de atacar diretamente o capital. Em 1768, os tecelões de Spitalfields levantaram-se em massa e destruíram uma grande quantidade de teares de seda. Organizaram um fundo de greve, depositando de 2 a 5 xelins por tear. Os tecelões de Spitalfields criaram uma união para pleitear perante a justiça, lançando a semente dos futuros sindicatos. 

Os membros dos comités operários reuniam-se nas tabernas, onde deveriam comparecer armados e disfarçados. A burguesia inglesa fugiu da revolução democrática pois, em vez de uma massa popular indiferenciada, viu desenhar-se por detrás dela a ação de uma classe com a sua própria política e métodos de organização. Em janeiro de 1792, oito operários ingleses criaram a London Corresponding Society, que se organizou em grupos de trinta membros, baseada numa contribuição financeira acessível aos operários. Em finais desse ano, a sociedade contava já com três mil membros. Os seus objetivos eram o sufrágio universal, a igualdade de representação, o parlamento honesto, o fim dos abusos contra os cidadãos humildes, o fim das pensões outorgadas pelo Parlamento aos membros das classes dirigentes, a redução da jornada de trabalho, a diminuição dos impostos e a entrega das terras comunais aos camponeses. Na mesma época, o livro de Tom Paine Os Direitos do Homem defendia a Revolução Francesa e a independência americana, atacando a monarquia inglesa em favor do republicanismo. Publicado em inglês, celta e gaélico, vendeu 200 mil exemplares na Grã-Bretanha. Em 1795, os dirigentes da London Corresponding Society foram presos e a sociedade começou a decair. Mas ela foi o antecedente da primeira grande organização política operária, o cartismo. Já prevenido pelo antecedente da sociedade operária e avisado pela experiência de França, o parlamento britânico proibiu as organizações operárias, condenando-as à clandestinidade ou a uma vida curta. O governo conseguiu também impedir as tentativas de se implantar um salário mínimo. Na década de 1790, a nova condição social dos trabalhadores, unida à influência da Revolução Francesa, deu um novo estatuto à repressão dos protestos sociais e suscitou novas formas de organização operária.

Quero saber mais sobre:

Osvaldo Coggiola

Osvaldo Coggiola

Historiador e professor universitário
USP aposentado