Jornal Maio

O que é melhor para os trabalhadores: comércio livre ou pautas aduaneiras?

A única diferença entre o livre comércio e o proteccionismo é que, em determinadas circunstâncias, um pode ser um pouco pior do que o outro, mas nenhum deles tem grande utilidade como remédio para a pobreza.

Continuam as voltas e reviravoltas das birras do Presidente dos EUA, Donald Trump, com as pautas aduaneiras (vulgo tarifas). Numa semana, Trump anuncia direitos aduaneiros sobre o mundo inteiro (incluindo ilhas perto da Antárctida onde só há pinguins). Na semana seguinte, anuncia um adiamento, para obter concessões comerciais. A última foi a ameaça de impor uma taxa de 50% a todas as exportações da Europa para os EUA – entretanto  adiada até os governos europeus fecharem um negócio. Tudo somado, no entanto, os direitos aduaneiros à importação dos Estados Unidos são agora cerca de 15 a 18% mais elevados do que eram antes e estão ao nível mais alto dos últimos cem anos.

Trump diz que impor direitos aduaneiros às importações americanas do resto do mundo lhe permite proteger o emprego dos trabalhadores americanos, acabando por fazer aumentar a produção industrial nacional. Alguns dirigentes sindicais americanos apoiam as medidas de Trump, na esperança de que ele tenha razão. Só que é falsa a afirmação de Trump de que os trabalhadores da indústria transformadora tradicional dos EUA têm vindo a perder o emprego devido a práticas comerciais desleais de outros países. A queda do emprego na indústria transformadora dos EUA tem sido replicada por outras economias capitalistas avançadas nos últimos 30 anos. O declínio do emprego na indústria transformadora da América do Norte e pela Europa Ocidental fora não se deve a estrangeiros mauzões apostados em “comércio desleal”.  Deve-se à implacável tentativa do capital americano (e europeu) de reduzir os custos laborais, quer através da mecanização quer produzindo em locais onde o trabalho é mais barato, no estrangeiro. Aliás, do que o grupo de Trump fala é de aumentar a capacidade de produção industrial interna usando robôs e IA. Isso pouco mais emprego irá criar no sector. É o que vale a pretensão de Trump de ser “o orgulhoso presidente dos trabalhadores, não dos externalizadores; o presidente que defende a rua principal, não a Wall Street da finança”. 

 


OS DIREITOS ADUANEIROS À IMPORTAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS SÃO AGORA CERCA DE 15 A 18% MAIS ELEVADOS DO QUE ERAM ANTES E ESTÃO AO NÍVEL MAIS ALTO DOS ÚLTIMOS CEM ANOS

 

As pautas aduaneiras nunca foram um instrumento eficaz de política económica, capaz de impulsionar uma economia interna. Na década de 1930, a tentativa dos EUA de “protegerem” a sua base industrial à força de direitos aduaneiros apenas deu numa nova contracção da produção no contexto da Grande Depressão que abarcou a América do Norte, a Europa e o Japão. A Grande Depressão da década de 30 não foi causada exclusivamente pela guerra comercial proteccionista que os EUA provocaram em 1930, mas os direitos aduaneiros acabaram por intensificar a contracção global, porquanto passou a ser “cada país por si”. Entre 1929 e 1934, o comércio mundial registou uma queda de cerca de dois terços, com os países de todo o mundo a aplicarem represálias comerciais uns aos outros.

Em reacção à deriva proteccionista de Trump, os economistas liberais sustentam que o comércio livre é melhor para todos os países e para quem neles vive. Este ponto de vista baseia-se na teoria das “vantagens comparativas” desenvolvida pelo economista David Ricardo, de origem portuguesa, no seu livro Princípios de Economia Política e de Tributação (1817), agora com mais de 200 anos. Ricardo argumentou que, embora Portugal pudesse produzir tanto tecidos como vinho a um custo inferior (em mão de obra) ao da Inglaterra, ambos os países beneficiariam do comércio entre si. Isto, porque a “vantagem comparativa” de Portugal em relação à Inglaterra era maior na produção de vinho do que na de tecidos. Assim, para Portugal, faria sentido produzir mais vinho e trocar o vinho a mais por tecido inglês. A Inglaterra beneficiaria, por sua vez, deste comércio, porque, embora continuasse a custar-lhe o mesmo produzir tecido, o preço do vinho importado baixaria consideravelmente. Assim, o comércio livre era uma situação em que todos ganhavam.

Só que as provas desta teoria do comércio livre produzidas pela história dizem o contrário.  Nos últimos trinta e tal anos, as economias capitalistas mundiais aproximaram-se do modelo de “comércio livre”, com reduções acentuadas dos direitos aduaneiros, das contingentações e de outras restrições, e com numerosos acordos internacionais de comércio. No entanto, o crescimento económico desde a década de 1980 foi mais lento do que na década de 1970, e a desigualdade de rendimentos e patrimonial entre países e dentro de cada país piorou, atingindo-se, ao nível mundial, um número de 1500 milhões de trabalhadores ainda sem emprego ou rendimento regular.

O capitalismo não cresce globalmente de modo fluido e equilibrado, mas segundo aquilo a que os marxistas chamaram “desenvolvimento desigual e combinado”.  As empresas e os países com melhores avanços tecnológicos ganham à custa dos que ficam para trás, e não se produz igualização.

Na formulação do grande economista do “mercado livre”, Adam Smith, “quando um homem rico e um homem pobre fazem negócio um com o outro, ambos aumentam a respectiva riqueza se negociarem com prudência; mas o património do homem rico aumentará em proporção superior ao do do homem pobre. Analogamente, quando uma nação rica e uma pobre se dedicam ao comércio, será a nação rica a tirar maior vantagem, sendo-lhe, portanto, mais prejudicial a ela do que à outra a proibição deste comércio”. 

O comércio livre dá frutos para a maior parte dos países quando a rendibilidade do capital aumenta (como aconteceu entre os anos de 1980 e 2000): com um bolo maior, todos podem ganhar (ainda que em proporções diferentes). Em tal caso, a “globalização” parece muito atractiva. A economia capitalista mais forte (tecnologicamente e, portanto, concorrencialmente, em termos de preço por unidade) será a maior defensora do “comércio livre”, como a Grã-Bretanha o foi entre 1850 e 1870, e os EUA entre 1945 e 2000. Neste último período, a globalização foi o mantra dos EUA e das suas agências internacionais, Banco Mundial, OCDE e FMI.

Porém, em começando a rendibilidade global a cair, o “comércio livre” perde o encanto, especialmente para as economias capitalistas mais fracas, à medida que o bolo do lucro deixa de aumentar. O “populismo” nacionalista levanta a cabeça, e ganham proeminência os economistas e políticos contrários ao “comércio livre”. Foi essa a situação na Grande Depressão dos anos 30, essa é a situação desde o início da década de 2000 e, principalmente, desde que findou a Grande Recessão.

Marx e Engels reconheceram que o “comércio livre” podia impulsionar a acumulação de capital a nível mundial e, assim, a expansão das economias, como aconteceu nos últimos 170 anos. Mas também notaram o reverso da medalha, pois tal é a natureza dual da acumulação capitalista: o aumento da desigualdade, um “exército de reserva” de desempregados em permanente oscilação e o aumento da exploração do trabalho nas economias mais fracas.  

Então qual é melhor para os sindicatos e para a classe trabalhadora, o comércio livre ou o proteccionismo? Depende. A melhor resposta tê-la-á, porventura, dado, em súmula, Robert Tressell no seu famoso livro The Ragged Trousered Philanthropist (O Filantropo Esfarrapado), escrito no Reino Unido em 1910: “Temos tido livre comércio nos últimos cinquenta anos, e a maior parte das pessoas vive hoje em condições de pobreza mais ou menos abjecta, com milhares literalmente a morrerem à fome. Quando tínhamos proteccionismo, as coisas ainda estavam piores. Há outros países que praticam o proteccionismo, mas isso não impede muitos dos seus habitantes de não quererem senão vir para cá trabalhar por salários de fome. A única diferença entre o livre comércio e o proteccionismo é que, em determinadas circunstâncias, um pode ser um pouco pior do que o outro, mas nenhum deles tem grande utilidade como remédio para a pobreza, pela simples razão de que nenhum lida com as verdadeiras causas da pobreza.”

 

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Tradução
Adriano Zilhão (O tradutor escreve segundo a norma anterior ao Acordo Ortográfico adoptado em 2009)