Jornal Maio

As pensões na mira da “roleta da especulação” do capital financeiro e da guerra

O governo AD pretende “reformar” a segurança social em três pontos fundamentais: redução da taxa contributiva global com vista a reduzir os custos do trabalho para o empregador; expansão dos planos privados de pensões; pôr termo à garantia universal de pensões mínimas do regime contributivo

“a segurança social é um sistema que deveria ser desligado da relação laboral, porque cada vez mais a relação laboral será uma relação pouco estável.”

Luís Cabral, professor da Universidade de Nova Iorque e colaborador na AESE, ao jornal Público1

A crise do sistema do capital tem vindo a acentuar-lhe o carácter austeritário e depredador, nos campos ambiental, do trabalho e social. Potencia o avanço da direita e da extrema-direita no mundo, agora reforçado com Trump pela segunda vez na presidência dos Estados Unidos.

A guerra em curso na Europa, a barbárie e o genocídio em Gaza são a “política por outros meios”, os mecanismos com que a Nato pretende subjugar os povos e as nações. A Nato pressiona para as despesas militares aumentarem para 5% do PIB de cada Estado. Para isso, “os cidadãos devem aceitar fazer sacrifícios, como cortes nas pensões, na saúde, nos sistemas de segurança (…)” (Mark Rutte, secretário-geral da Nato). A UE, através do plano Draghi e de um pacote de investimentos de 800 000 M€, dotou-se de uma “bússola da competitividade”. 650 000 M€ são para sair dos orçamentos nacionais, tendo estes autorização para ultrapassar as metas do pacto de estabilidade. Para a guerra permite-se, para o investimento público e as necessidades sociais, não.

Espalhar o medo social é o modus operandi do capital financeiro. Foi assim quando a troika interveio, concretizando a mais brutal transferência de rendimentos do trabalho para o capital, com o objetivo de baixar os custos de trabalho para os patrões (TSU), objetivo que se mantém.

Portugal é um país periférico, com investimento público diminuto e elevadíssima taxa de privatização dos sectores estratégicos. Quase 2 milhões de pessoas vivem na pobreza, e mais 1 milhão em grande vulnerabilidade. Esta situação mais do que duplicaria se não houvesse apoios sociais aos reformados e desempregados. Acrescem os 51% dos reformados da segurança social (2024) que vivem abaixo do limiar de pobreza (632€). Três em cada cinco portugueses não têm condições para satisfazer as suas necessidades básicas. Mesmo trabalhando, 900 mil trabalhadores são pobres. Os salários são baixíssimos. 3,4 milhões de trabalhadores ganham entre oitocentos e mil euros. Cresce a uberização do trabalho, enquanto os patrões usam e abusam da mão de obra imigrante (1,6 milhões), superexplorada e sem direitos. Os agiotas e angariadores saem ilesos.

Um pouco por toda a Europa, os sistemas públicos de segurança social têm estado na mira do capital. Muitas alterações impostas seguem o modelo de sistemas mistos de capitalização e do aumento da idade da aposentação. Em Portugal, desde 2007, o maior ataque foram sem dúvida os cortes nas pensões e nas prestações sociais durante a intervenção da troika (de que não recuperámos) e o ataque à TSU (taxa social única) em nome do aumento da “competitividade da economia”, prejudicando seriamente o futuro dos trabalhadores e das suas pensões. É a diminuição dos custos do trabalho, a “desvalorização fiscal” a favor dos patrões: se aquela medida não tivesse sido travada, teria sido uma brutal transferência do trabalho para o capital. “Que se lixe a troika!” pôs 1 milhão de trabalhadores e jovens na rua, e a medida não passou. Mas está hoje de novo em cima da mesa.

Diz-se que o nosso “sistema previdencial da segurança social está de boa saúde”2. No entanto, duas ofensivas estão em curso. Uma parte da comissária europeia, M. Luís Albuquerque3, a outra, do governo AD, dando continuação ao trabalho desenvolvido pelo anterior governo PS de António Costa. Este nomeara uma nova comissão, dirigida por Jorge Bravo (professor universitário, com ligações ao sector dos seguros e fundos privados de pensões), para aprofundar propostas do “Livro Verde para a sustentabilidade das pensões”. A Comissão começou logo por juntar os dois sistemas de pensões – o sistema público da segurança social e o da Caixa Geral de Aposentações – para concluir que são deficitários. Uma grosseira manipulação, dada as diferenças entre os sistemas.

Em entrevista ao Jornal de Negócios4, M. Luís Albuquerque entra na disputa pelas “poupanças dos Europeus”:  quer usar as pensões para investir em armas. Manifestou, ainda, a sua “determinação” em erguer uma segurança social aberta ao capital financeiro, banca, seguradoras, fundos especulativos, em três pilares: o público, o de pensões complementares ao nível da empresa (de inscrição obrigatória?) e PPR europeus5, pilar privado de pensões.

O governo AD reconhece, por um lado, “a boa saúde” do sistema público de segurança social: “em março de 2025, já possuía uma carteira de ativos de cerca de 39 400 M€, assegurando já 24,48 meses de pensões, prevendo-se que o Fundo não esgote até 2070”6, reforçado agora com novo “excedente do sistema” de mais 5600 M€. Não obstante, persiste na sua visão neoliberal de “reformar” o sistema público de repartição em três pontos fundamentais: “proposta de redução da taxa contributiva global sobre o salário associada à introdução de uma contribuição sobre o valor acrescentado líquido, com vista a reduzir os custos do trabalho para o empregador; projeto de expansão dos planos privados de pensões (profissionais e pessoais), com o envolvimento ativo do Estado em matéria orçamental e regulamentar; recomendação de pôr termo à garantia universal de pensões mínimas do regime contributivo, passando a sujeitar a garantia de mínimos a condição de recursos.”

O modo de produção tem vindo a mudar, obrigando-nos a refletir também no reforço da sustentabilidade do sistema público de segurança social, mas sem abdicar do seu carácter intergeracional, universal e solidário.

O capital vai preconizar que todas as gerações aceitem abdicar dos direitos presentes e futuros. Tal significaria o triunfo em toda a linha do fascismo social. A nossa unidade é fundamental. Só quem abdica de lutar não vence!

 

 


1Luís Cabral ao jornal Público de 8 de junho de 2025.
2Min. do Trabalho e Segurança Social ao jornal Público de 20 de março de 2025.
3Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças do Governo de Passos Coelho durante a intervenção da troika e atual comissária europeia para os serviços financeiros e união das poupanças.
4Jornal de Negócios, 2 de junho de 2025.“Vamos recomendar inscrição automática no Pilar 2 das Pensões”.
5PPR europeus: Criado o PPR Europeu, um negócio à medida do mercado de capitais, Esquerda,net
6CGTP-IN: “Defender a segurança social pública, universal e solidária”, 8 de maio de 2025.

 
José Casimiro

José Casimiro

Mov. Solidários.
Antigo Operário e da Coord.
das CT's da Região
de Lisboa (CIL)