Jornal Maio

Há uma relação estreita entre a Operação Safra Justa, no Alentejo, a greve geral de 11 de dezembro e as eleições presidenciais de janeiro próximo. 

Este número do Maio inclui um dossiê sobre “trabalho forçado e destruição ecológica no Alentejo” que ilustra bem esta relação.

A “Safra Justa” revelou, ou melhor, relembrou que existem no país duas repúblicas. 

Uma, “secreta”, tem sido progressivamente instaurada nos campos e no interior, particularmente no Alentejo. 

Esta república é governada por máfias capitalistas que se escondem atrás de sociedades unipessoais e “empresas” de trabalho temporário, ao serviço de fundos de investimento “anónimos” com sede na América ou no país vizinho. Têm ao seu serviço chefias da polícia e procuradores, que dispõem de milícias, em cujas fileiras também se contam polícias ou militares da GNR, que patrulham herdades e guardam campos de concentração de trabalho escravo. Intimidam ou compram autarquias e autoridades menores, parasitam fundos do Estado e da UE, extraem lucros astronómicos do trabalho escravo e do saque da terra, da água, agora, até, do sol.

A outra república é, claro, a República oficial. Esta reduz-se, porém, cada vez mais a uma fina camada de verniz, muito estalado, que se move entre São Bento, as demais instituições oficiais e os grandes escritórios de advogados, entre Espinho, Porto, Lisboa e Bruxelas, de empresa para instituição pública para empresa para cargo do Estado, organizando os fluxos de fundos nacionais e europeus por canais que vai lubrificando, muitos dos quais conduzem ao mundo da “república secreta”.

Muitas das personagens que se movem no pântano de corrupção e superexploração da república secreta são próximas do Chega. Financiam-no e promovem-no. O seu candidato a presidente da República oficial, e também a primeiro-ministro, chefe da polícia e de tudo o mais, já é, no fundo, o presidente da “república secreta”. O programa de Ventura é arrancar o verniz que ainda sobra na República oficial e subordiná-la à ordem totalitária da sua república secreta. Rodeado de aldrabões de feira e lumpens corruptos, faltam-lhe lugares-tenentes à altura. Tem de se ir servindo dos idiotas úteis que povoam os corredores do poder oficial.

E é aqui que entra o pacote laboral. Ele serviria para aproximar as “duas repúblicas”, nivelando os trabalhadores de todo o país pelo que já existe no Alentejo: um país de gente sem onde habitar, sem onde se tratar, sem maneira de ter filhos nem dar-lhes educação, reduzida a trabalhar a pataco. 

Esse país é talvez o da imagem que The Economist dá da “melhor economia da OCDE”: um país de lucros e bolsa esfuziantes; de estrangeiros e portugueses ricos que mal pagam impostos; de portugueses e estrangeiros pobres que trabalham sem horário nem praticamente salário, vigiados por polícias e milícias. 

Eles querer, querem. Mas a greve geral mostrou outra luz, a luz que guia a grande maioria do país, que trabalha e estuda, que resiste ao projecto da barbárie capitalista e aspira à República de quem trabalha, uma república livre da exploração e da corrupção, oficial ou secreta, dos que servem o lucro dos grandes e as guerras de Trump e de Bruxelas.