O amor à servidão
Os sinais fascistoides de anulação do pensamento próprio e da liberdade de expressão incorrem nesta onda avassaladora do “estar caladinho” para salvar a pele e alma, o sustento e a sobrevivência.
Quem conhece vai reparar que tomei o título deste texto do prefácio do livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, onde o autor utiliza esta expressão na reflexão que está no “Prefácio do autor de 1946”.
A constatação “profética” não poderia ser mais adequada para ser aplicada ao nosso tempo, onde a humanidade se vê em processo global neofascista a par da disseminação crescente do veneno automático e infinito do ódio.
A subjugação dos trabalhadores à lógica do lucro para enriquecer apenas alguns está bem vincada em todos os meandros dos poderes públicos e no mundo empresarial. Não é raro voltarmos a ouvir e a ler expressões abjetas do antigamente: “cuidado com os pensamentos”; “cuidado com a língua”; “vê lá o que dizes”; “o silêncio e autodomínio são muito importantes”.
Os sinais fascistoides de anulação do pensamento próprio e da liberdade de expressão incorrem nesta onda avassaladora do “estar caladinho” para salvar a pele e alma, o sustento e a sobrevivência.
“Não é raro voltarmos a ouvir e a ler expressões abjetas do antigamente: ‘cuidado com a língua’; ‘vê lá o que dizes’”
Esta razia protofascista reacende-se no mundo laboral com uma veemência terrível. O medo dos despedimentos recrudesceu tanto que tomou a vida dos trabalhadores subjugada às investidas desumanas de chefes e patrões. O medo da guerra, a insegurança face à falta de integração no mundo do trabalho fez crescer em força “o amor à servidão”.
Os novos moldes de escravidão acolhem trabalhadores subjugados, calados, sujeitos a todos os desmandos de chefes e patrões falhos de humanidade e embebidos de falta de escrúpulos.
Alguns, apoiantes de medidas contra a imigração, ao mesmo tempo empregam imigrantes vindos de tantos lugares do mundo nas suas empresas sem direitos e sem condições condignas. As leis laborais, diante do maior descaramento, são esquecidas e outras são aprovadas para limitar o direito à greve e gorar todas as expetativas de direitos elementares da condição do trabalhador. O retrocesso neste âmbito é avassalador e assustador.
A sobrevivência a quanto obriga, que parece remeter as pessoas trabalhadoras à indignidade de quase ter de “cortar” o pescoço para deitar ao lixo a cabeça, bastando ficarem apenas com as mãos para trabalhar e segurar as “esmolas” que os providentes patrões lhes concedem.
Em outro âmbito vemos como se implementa um plano ideológico para levar à subjugação das populações, sob o eficaz discurso da insegurança e da exclusão do outro, porque é diferente na religião e na cultura.
As pancadas do martelo cravam fundo a ideia de que a origem dos nossos males advem desses que vieram “roubar-nos” os nossos serviços de saúde, os nossos empregos e as nossas escolas, como se alguma vez tenhamos tido períodos sem problemas na saúde e na escola.
E não fossem também os imigrantes os responsáveis pelos crimes que estão acontecendo. Outra que pega muito bem, mas que faz esquecer todas as manifestações de violência levada a cabo pelos nativos deste país, nomeadamente, a horrenda desgraça da violência doméstica.
A mentira tem muita força. Os partidos políticos, particularmente, os de direita e extrema-direita, fazem deste fertilizante o seu condão de ordem para ganharem a simpatia das populações.
Os Estados democráticos, sendo, felizmente, da sua natureza permitir a livre expressão, vergam as suas sociedades ao domínio dos “espertos” falaciosos ou mentirosos, que pavimentam o mundo com a desprezível manipulação das classes trabalhadoras e das populações em geral que, subjugadas pelo medo, se deixam seduzir por descaradas mentiras.
A falta de cultura democrática e política (só para não qualificar de analfabetismo político) das populações em geral, é um verdadeiro drama que requer atenção e cuidados. Basta reparar na quantidade de autarcas vitoriosos, mas suspeitos de prevaricação e corrupção, alguns na condição de arguidos, outros julgados e condenados.
Não faltam exemplos de experiências concretas, em pequenos grupos e em aglomerados populacionais, onde se vivenciam dinamismos democráticos que devem ser relevados pela comunicação social em geral e ser experiências estudadas a fundo pelos mais novos. Dado que nesta camada social se situa o “pasto” favorito dos manipuladores neofascistas que a democracia permitiu subsistirem com a maior impunidade, a se autoproclamarem “salvadores” e “limpadores” da pátria.
As investidas veladas e algumas descaradas para tornar os meios de comunicação social monocolores, manifestas nos saneamentos de pessoas que pensam pela sua própria cabeça, frontais e livres quanto à opinião que emitem, revelam que há uma intenção claramente ideológica para fazer do discurso uma caixa de ressonância dos poderes instalados e deixar passar as patranhas dos tempos novos do “amor à servidão”, tão querida pelos novos poderes instalados e mais ainda pelos que anseiam instalar-se.
Aos amantes da liberdade e que recusam qualquer tipo de servidão é requerida uma atenção redobrada perante estas investidas, denunciá-las com coragem e continuar a luta por todos os meios para esclarecer devidamente as populações e os trabalhadores.
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Pe. José Luís Rodrigues
Padre da Diocese do Funchal